quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

DA NATUREZA, por Parménides de Eleia

E eis chegado o momento da apresentação de um pequeno grande livro e um dos testemunhos mais completos da Filosofia Pré-Socrática (e o primeiro que li). "Da Natureza" é um dos primeiros livros de Filosofia da nossa civilização e o seu autor, Parménides de Eleia, é o primeiro filósofo que defende o uso da razão como forma de atingir a Verdade. O livro, todo ele em poesia e do qual só restam alguns fragmentos, questiona essencialmente o ser, o pensar, o conhecimento e a verdade.
Pessoalmente (apesar da sua leitura difícil) considero-o um livro fascinante de ler; efectivamente, a sensação que assomava ao meu espírito era a de estar a presenciar ao nascimento de algo, a observar algo embrionário... e é que é uma sensação tão fascinante a de sabermos, conscientemente, daqui, sim, daqui, desta lógica argumentativa obsoleta partiu a maior parte das estruturas lógicas formais que conhecemos hoje e, muito honestamente e sem exagero (mas isso sou eu que me fascino com estas coisas) no final só pode restar pelo menos uma centelha de felicidade nos nossos corações que, por momentos, ficam enormes... quase como se nos tivesse sido dado o privilégio de assistirmos ao nascimento do Universo em primeira mão, mas de um universo mais pequeno, o universo de algo que, ainda que menosprezado com a passagem das eras e sobretudo nos dias de hoje, é tão importante para a natureza humana como o foi há mais que dois milénios.
A Filosofia é precisa, não apenas pelos seus conteúdos lógico-argumentativos que esses são atingíveis com outras ciências, mas também porque é nela que o Homem se espelha... o pensamento é inerente ao Homem, se é mais ou menos racional ou emocional isso é o objecto, o que importa é que o Pensamento (com P maiúsculo, uno e universal e, portanto, em todas as suas vertentes) é uma característica inseparável da Humanidade, talvez mesmo a origem daquilo que se pode mesmo considerar de unicamente Humano... negar a importância do Pensamento é negar a Humanidade, que assume múltiplas formas consoante o que pensa e que pensa consoante o que muda, ambas são causa e efeito de ambas num ciclo vicioso que se prolongará até à nossa extinção... ou até ao aparecimento de algo novo.
Caríssimos... não vos poderei dizer que entendereis tudo quanto lerdes neste livro e nem eu entendi tudo e talvez nenhum de nós entenda absolutamente tudo de nada. Contudo, só poderei esperar que a sensação de júbilo que tiverdes e de privilégio pela leitura de algo que iniciou grande parte do nosso mundo tal como o conhecemos seja tão grande ou maior que a minha. Porque, tal como defendia Parménides, do nada, nada pode nascer.
Bem hajam!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

COMO TIRAR PROVEITO DOS INIMIGOS, por Plutarco

Bem... este livro é de carácter diferente e foi o meu companheiro durante uma semana de rua; contudo, esclareço desde já uma coisa: não tenho inimigos nenhuns... e se os tenho desconheço-os totalmente nem quero saber quem são. Logo, apenas li o livro pelo autor (ainda não cheguei ao estado de maníaca ou do medo da perseguição, hehe)...
Na verdade, este livro divide-se em duas partes: uma primeira, confirma-se, intitulada "Como tirar proveito dos inimigos", mas segue-se-lhe a parte maior, cujo título é "Como distinguir um adulador de um amigo" (e desta última, sim, reconheço utilidade para a generalidade das vidas humanas). Assim, numa espécie de manual de auto-ajuda (sim, que estas coisas dos livros de auto-ajuda não são invenção recente), Plutarco ensina as pessoas a viver essas duas vertentes aparentemente negativas da vida de acordo com a sua ética: o princípio de que a felicidade e a paz só são alcançáveis controlando os impulsos da paixão.
Só uma nota: a respeito dos livros de auto-ajuda... já repararam que os manuais de auto-ajuda passados ensinavam a viver enquanto os de agora ajudam a conseguir ter algo?... De que maneira um manual de auto-ajuda poderá reflectir as nossas prioridades? Talvez no título de um livro esteja um espelho maior de uma sociedade do que se pensa...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

LAQUES, por Platão

Boa madrugada! 
Como não poderia deixar de ser, tive que passar por cá antes de me submeter ao sono, desta vez com um diálogo de Platão, pois já não lia há muito tempo (desde... o "Ménon" em Novembro?), "Laques", desta vez e não posso deixar de fazer um reparo à edição. Efectivamente, foi com um livro desta colecção de volumes que comecei este blogue em Maio do ano passado ("Apologia de Sócrates", se me recordo) e a modos que foi um pouco... nostálgico... actualizar com um livro de uma colecção que não pensava adquirir mais apesar de ter uma qualidade excepcional (afianço que, para quem procura literatura clássica em bons livros, para mim esta é uma das duas editoras que aconselharia; a outra é das edições da Fundação Calouste Gulbenkian, mas isto é uma questão de opinião). Outra coisa de notar é o pormenor de todas as capas terem a sombra de uma árvore. Se considerarmos que, de facto, uma capa pode dizer o que um livro não diz, poderemos pensar que é uma alegoria (como se o legado clássico se assemelhasse a uma árvore centenária que continua a crescer?). Mas já estou a dispersar.
O tema deste livro... de facto é difícil de esclarecer o tema. Aparentando ser um diálogo sobre a boa educação dos filhos por ligação de ideias passa para a coragem, assistimos a uma longa discussão entre dois intervenientes pelo meio (Nícias e Lisímaco), o que é algo que eu nunca tinha visto nos diálogos que li, uma discussão agressiva explícita e no fim termina em aberto... contudo a estrutura argumentativa baseada na lógica mantém-se. Noto, contudo, duas coisas: a primeira é a defesa de Sócrates em que as questões não devem ser decidias pela maioria, mas sim pela validade da cabeça (que não é pelo número de cabeças que se devem tomar decisões e que uma cabeça pode valer por muitas). Isto aparentemente parece contraditório, mas como poderia sair tal coisa de alguém oriundo do berço da democracia, mas o facto é que a democracia, no verdade, tinha um significado nocivo para os atenienses; estes eram a favor da República e não da Democracia (Aristóteles no seu "Tratado da Política", já apresentado anteriormente, esclarece muito bem a diferença). A segunda é a persistência de Nícias em que Sócrates deveria ser mestre dos jovens... ora foi precisamente este um dos motivos que o levaria à sua condenação, o de, segundo o tribunal, ensinar maus caminhos aos jovens e, tendo em conta que estes diálogos me parecem ser escritos depois da morte de Sócrates, penso se não seria um ataque da parte de Platão como forma de denúncia dos juízes (aliás, já seria a segunda vez que o faria). 
Seja como for, deixo-vos com mais um diálogo (dos meus preferidos agora). É necessário que a árvore clássica cresça e, seguramente, continuará a fazê-lo... e, também seguramente, continuará a dar ramos para o pensamento póstumo, o que prova o seu valor inegável.
Juntos contra a desflorestação das ideias, a todos uma boa continuação de semana e boas leituras!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

FILOCTETES, por Sófocles

No fundo, pensando bem, há já muito tempo que não lia nada de Sófocles. A última tragédia que tinha lido foi "Os Persas" de Ésquilo e mesmo essa já tinha sido há algum tempo... Pelo que decidi aventurar-me a desembolsar algum e trouxe o livro que hoje apresento, "Filoctetes, de Sófocles.
Nesta tragédia conta-se do desembarque de Ulisses na costa de Lemnos com o objectivo de aprisionar o antigo guerreiro Filoctetes, repudiado pelos seus companheiros dez anos devido às suas chagas que o tornavam inválido, para poder beneficiar da utilização das suas armas mágicas na guerra de Tróia. Para isso faz uso de um dos seus soldados, Neoptólemo, um jovem ansioso por ser conhecido por grandes façanhas e incita-o a mentir e a ser ele a trair e aprisionar Filoctetes, prometendo-lhe glória e fama. Neoptólemo aceita, seduzido pelo prémio.
Esta é uma tragédia em que Ulisses, que normalmente é tido como um herói, passa a mostrar a sua vileza através do uso da inteligência e manha para maus fins; Filoctetes é a denúncia do trato ateniense dado aos menos capazes; e Neoptólemo, por seu turno, é o jovem inexperiente e, no fundo, inocente, que ainda não sabe a qual dos senhores há-de servir, se a gloria material conseguida por um caminho fácil (mentira), se a glória espiritual pela prática de um caminho mais doloroso (verdade). No fundo, Neoptólemo surge como a Humanidade condensada num só Homem...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A ENEIDA, por Virgílio

E eis chegada a hora de uma leitura tão ousada como quem se digna a ler os diálogos de Platão e que um dos maiores legados poéticos da Humanidade. "A Eneida" é um poema épico/ epopeia escrito por Virgílio, poeta romano e que, tal como o nome indica, conta a história de Eneias, ancestral de todos os romanos, que se salvou da guerra de Tróia, junto com o seu pai Anquises e o filho Ascânio. A versão que eu li foi a dos livros de bolso Europa-América que, com o seu objectivo de tornar o livro "transportável" (se me for permitido usar este termo) reduziu o verso branco (uma consequência da maioria das traduções para outros idiomas) a parágrafos ainda que, claro está, se notem preciosismos poéticos na estrutura das frases, dando a entender que são versos compactados. Concluo que o poema não foi afectado, o que torna esta compactação em texto narrativo nalgo pouco grave.
Note-se, contudo, muitas semelhanças do enredo d'"A Eneida" com "A Odisseia" de Homero. Efectivamente, ambas têm como elemento polarizador a guerra de Tróia, tanto como Odisseu como Eneias empreendem uma viagem naval, ambos desembarcam numa ilha e mantêm uma relação com uma mulher, Odisseu com Circe e Eneias com Dido, ambos descem ao Hades, etc. Coincidência? Uma vez que não sei onde acaba o mito original e começa a arte literária parece-me impossível dizer, é tão possível como impossível que vários aspectos sejam coincidência mas o facto é que talvez uma razão de teor político esta na base destas semelhanças. De facto, "A Eneida" foi encomendada a Virgílio pelo Imperador Augusto com o objectivo de enaltecer a civilização romana. Virgílio, então, compromete-se a criar um poema épico ainda maior que "A Odisseia" (obviamente no sentido qualitativo, porque a nível de extensão tem metade dos capítulos) e, dessa forma, suplantar o próprio Homero. É sabido também que Virgílio em consciência soube não ter sido capaz de o conseguir fazer. Já concluído o poema épico e às portas da morte, conta-se que Virgílio teria pedido aos seus companheiros que queimassem a obra por ter ficado "imperfeita". Agradeçamos por não o terem feito, já que só assim foi possível que chegasse até nós uma das grandes obras de um dos maiores génios da Humanidade.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O MESTRE, por Santo Agostinho

Sim, eu sei. Parece ser algo totalmente novo, mas efectivamente eu comprometi-me a apresentar os legados da base da cultura ocidental, que é a grega, a latina... e a cristã. Confesso que demorei bastante tempo a pegar neste último pilar mas isso deveu-se ao facto de os livros que lhe são relacionados serem exponencialmente mais caros que os restantes. Digamos que finalmente me dei ao luxo (porque foi mesmo) de desembolsar mais um pouco (ou melhor, o mesmo, só que em vez de aplicar em dois livros só posso aplicar num, que  é que se há-de fazer)...
Fiquei triste, confesso... a sério, fiquei logo triste nas primeiras duas páginas. Apesar de depois não ter notado nada de gravoso e o livro ter melhorado bastante, confesso que as primeiras duas páginas me causaram má impressão, com o devido respeito pelo autor. Basicamente Santo Agostinho quer mostrar ao seu filho Adeodato que a linguagem não serve para aprender e sim para ensinar e faz uso de argumentos como o caso do professor que lecciona, as perguntas de resposta condicionada, etc e no fim Adeodato conclui que de facto a linguagem serve para ensinar e não para aprender... e o leitor fica de facto com uma dúvida pertinente que mais não é que a lógica das coisas: parece-nos óbvio que a linguagem enquanto meio de aprendizagem serve para transmitir conhecimento, tudo bem, mas quem o adquire (aprende) também o faz por intermédio da linguagem... usada pelo professor. Em lado nenhum Santo Agostinho especifica que é apenas a linguagem de quem profere que serve para ensinar e não aprender, afirma simplesmente que a linguagem (conceito generalista) serve para ensinar mas não para aprender. Se se ensina com gestos o pupilo imitará os gestos e nesse caso os gestos servem para aprender mas se o mestre dá a informação o pupilo aprende pela linguagem do mestre... A linguagem serve para aprender, no mestre porque é codificada e transmitida, no pupilo porque a descodifica. Ai, senhor Agostinho, a cometer falácias/suprimir informação para levar a sua avante (confesso que foi essa a primeira ideia que me veio ao espírito)! Salvo isso, todo o resto do livro se me revelou impecável... foi mesmo o choque inicial, se me permitem dizê-lo. De resto o livro é excepcional.
Santo Agostinho recorre ao método socrático para ensinar o seu pupilo, que aqui é o seu filho Adeodato, ou seja, para quem leu os diálogos de Platão sabe que Sócrates ensinava recorrendo ao método de pergunta e resposta, o mestre pergunta, o pupilo responde sucessivamente até chegar pelas suas próprias respostas à ideia que o mestre defende (quase como uma aprendizagem orientada). O objectivo deste diálogo é demonstrar que não são as palavras que conduzem à verdade, que reside no interior do Homem; defende também que a razão é essencial e nunca um homem se deve guiar unicamente pela razão ou pela fé e que ambas devem coabitar no espírito humano. O livro consta  de catorze capítulos e tem duas partes: uma primeira sobre as palavras e os signos e a segunda sobre despertar a verdade interior, no fundo uma primeira baseada na razão e a segunda na fé, sendo que os capítulos que as compõem são o caminho conseguido através da lógica argumentativa para se chegar ao que Santo Agostinho defende no último capítulo.
Assim, este "diálogo entre Pai e Filho sobre a Linguagem e a descoberta da Verdade interior" de Santo Agostinho surge, no final, como um texto importante independentemente de qualquer convicção religiosa mas sim pela sua qualidade e carácter filosófico que aborda temas aparentemente tão díspares como a Linguística, Comunicação e Religião, sendo mais um testemunho da riqueza que os antigos legaram ao presente.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

POÉTICA, por Aristóteles

E eis mais um livro intemporal que ainda hoje objecto de estudo, quer de aficionados, quer de alunos. Quase uma espécie de tratado, o objectivo deste livro é falar "da arte poética em si e das suas espécies, do efeito que cada uma destas espécies tem; de como se devem estruturar os enredos, se se pretender que a composição poética seja bela; e ainda da natureza e do número das suas partes [...] de tudo o que mais diga respeito a esse estudo..." Esta é uma obra essencial do pensamento estético e é dos mais importantes textos antigos sobre o assunto.
As artes abordadas na "Poética" são a Poesia (trágica e heróica) e o Teatro, uma vez que ambas estavam intimamente ligadas. Sabe-se que houve um segundo volume (o livro que chegou até nós é o primeiro) que tratava da poesia cómica; contudo, esse livro não sobreviveu até aos nossos dias.  O livro é composto por vinte e cinco pequenos capítulos. Em cada um é abordado um aspecto estético.
Um testemunho sobre a forma de bem escrever ou criar argumentos, é de notar que imensos dos preceitos abordados na "Poética" são ainda hoje regras gerais na arte literária contemporânea e mesmo teatral, o que torna este livro essencial, quer para os estudantes das artes que lhe são atribuídas, quer para os amantes de estética e da arte em geral.