quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA, por Pinharanda Gomes

Uma coisa a ressalvar de início: esta é a primeira obra que se publicou em Portugal que alude à filosofia grega pré-socrtática. É uma mais valia para o nosso espólio cultural.
Um problema: se no manual anterior eu me queixei da densidade do texto, neste queixo-me da falta dele. Passo a explicar. Este manual assenta praticamente numa selecção de textos antigos divididos por filósofos (algo que o livro "Os Filósofos Pré-Socráticos" da Calouste Gulbenkian já tinha) mas é basicamente isso. Não há texto, não há explicação. Digamos que os filósofos por meio de fragmentos deles próprios ou de terceiros explicam-se a eles mesmos. Ainda que o livro comece e muito bem com uma apresentação da cosmogonia grega e das várias escolas de pensamento, o resto (sendo honesta) pareceu-me insatisfatório pelo menos para quem quer aprender. Tudo bem, é uma antologia no fundo e nada de muito mais; mas destina-se a quem já sabe. Citando o prefácio "Pareceu-nos sensato evitar a sobrecarga de notas comentarísticas ao texto. O leitor erudito prescinde de tais notas e, quanto ao leitor médio, não se sentirá inibido de efectuar uma leitura tanto quanto possível linear". Também não poderei dizer que concordo com a afirmação do mesmo prefácio "Assumindo que a filosofia não se destina a todos"... De certa forma isso faz-me questionar então por que se fazem manuais ou livros que transmitem conhecimento. Faz-se um livro informativo ou cultural porque se quer passar uma mensagem ao público; o conhecimento destina-se ao público, não é o público que é destinado ao conhecimento. Não vejo a utilidade de se fazer um livro que carece de explicação porque o público erudito percebe; se o público é assim erudito e carece de explicação, para quê destinar-lhe um escrito sobre algo que ele já sabe? Não se acrescenta nada. Então a tarefa de transmitir algo novo não se encontra preenchida. Não há transmissão de conhecimento.
Talvez seja do meu humor não muito fantástico de hoje mas sei que não estou a ser muito imparcial; de qualquer forma concluo que este livro é um óptimo anexo para o livro sobre o mesmo tema apresentado antes, não para consultar depois e sim durante; mas não é de forma alguma um livro de iniciação. Ainda assim agrada-me ver o crescente interesse português por estas matérias. Quem sabe este livro não tenha sido uma primeira experiência e a ele se siga um outro mais consolidado.
Agora um parecer, não relativo a este livro, mas sim mais generalista: ao longo da minha curta vida fui lendo livros que primavam por um grau de tecnicidade tal no discurso, livros supostamente para "pessoas a aprender" que me fizeram duvidar da qualidade de comunicação de quem os escreve ou, pelo menos, até que ponto estava interessado que essa comunicação existisse. A título de exemplo (não vou indicar o livro nem tão pouco o autor ou o assunto)... parece-vos razoável num livro supostamente intitulado de "manual" comparar dois assuntos, um à música de Ravel e outro a uma série dodecafónica de Schoenberg sem explicar porquê? Não falo por mim; a minha licenciatura é em Música, não sou eu que me queixo e mesmo assim, honestamente, não vi grande semelhança. Falo pelas dezenas de caras com pontos de interrogação estampados na cabeça que, num manual universitário que em nada tem que ver com o curso de Música viram essa comparação entre dois temas e que se perguntaram (perdoem-me a informalidade do discurso) quem eram os dois gajos ou, mesmo sabendo ao menos que eram compositores, não tendo formação clássica não perceberam um chavo do que o autor quis ensinar. Não seria razoável da minha parte agora dizer que os escritos de Platão (estou a criar uma associação aleatória, não é para levar a sério) se me assemelham ao Stabat Mater de Pergolesi e que pelo contrário Aristóteles é um completo Webern e pronto, fim de frase. Fico por este exemplo desse livro: é que nem explicação houve. A frase ficou por aí. Quem deu este exemplo deste livro poderia dar muitos outros... ou ainda noutro livro da mesma área aparecer não raramente parágrafos inteiros escritos, ou em grego, ou em alemão, ou em latim... sem tradução! Nem em rodapé! Por acaso no latim safei-me e o alemão arranho-o... grego não sei nada. Mas torno a perguntar, sinceramente: porquê? Qual o prazer de num livro destinado a "primeiros anistas" universitários colocar parágrafos inteiros em grego, alemão ou latim sem tradução? São exemplos como estes dois que me fazem pensar se de facto os autores pretendiam transmitir conhecimento ou pelo contrário exibir conhecimento, dito directamente. Qualquer que seja a razão, as duas podem resumir-se numa: os autores a meu ver não sabem comunicar. Quais são as nossas prioridades afinal? Às vezes sinto que o ser humano se coloca num pedestal tão elevado à espera que os outros o atinjam que se esqueceu de como descer para ir buscar as outras pessoas. Porque é isso que é comunicar. Porque essa é a regra crucial para se transmitir conhecimento. Porque comunicar é, na verdade, perdermos um bocado da nossa divindade (porque todos temos a nossa divindade) para acedermos à mortalidade dos outros, que também têm a sua divindade. Todos somos divinos e mortais em simultâneo. Como bem explicou Epicuro, é também tornando-nos divinos que nos tornamos homens. E se o conhecimento nos torna, à sua maneira, cada vez mais próximos do divino, é a tarefa ainda mais árdua da comunicação que nos confere a humanidade. Quem sabe se ser-se humano não seja mais duro que ser-se um deus...

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