sábado, 29 de outubro de 2011

PENSAMENTOS, por Marco Aurélio

Saudações!
Certamente todos os que lêem este blogue se lembram da primeira e única obra de um autor romano que apresentei, "Anfitrião", de Plauto; com certeza quem leu se lembrará do quão mal impressionada fiquei com o teatro romano e com os seus valores. Contudo, para "limpar" a fama com que os romanos poderão eventualmente ter ficado (embora não deixasse de ser em parte acertada) apresento desta vez um romano com a diferença de que usa a cabeça: o imperador Marco Aurélio. Eis o que apanhei deste livro.
Antes de mais, facto curioso com a capa. A pintura representada é de uma das casas senhoriais de Pompeia, a cidade romana soterrada pelo Vesúvio e representa os senhores da casa, marido e mulher. Agora aquilo que aparentemente ultrapassa a normalidade da realidade da altura: o homem segura um pergaminho mas a mulher segura uma caneta e uma tábua. Tendo em conta que este género de pinturas tinha o hábito de representar características dos senhores da casa, podemos concluir que, contrariamente ao que seria comum, a mulher era tão literata como o marido e tinha a mesma relevância, pois ambos aparecem da mesma altura e com o mesmo destaque... Impressionante...
Agora remetendo-me ao livro. Como todos os estadistas deveriam ter, Marco Aurélio revelou uma grande capacidade: usar a cabeça. Mas, mais importante ainda, não a cabeça de um governante que vê o mundo de cima para baixo, mas também a capacidade de ver a realidade de baixo para cima como o mais comum dos mortais. Conseguiu captar a ambiguidade das coisas sem se deixar influenciar por aquilo que o poder lhe proporcionava. Não é um tirano das ideias. Esta característica, sobretudo por se denotar num estadista enquanto imperador, é de se lhe atirar o chapéu. Homem de uma nobreza de carácter impressionante, inicia o livro com a lista das boas pessoas que o tornaram no que imperador que foi, passando a citar: "De meu avô Vero recolhi lições de cortesia e serenidade; (...) de minha mãe veio o exemplo de piedade e ânimo dadivoso (...); boa lição me deu meu bisavô em não ter frequentado escolas públicas (...); de meu preceptor (...) a desenrascar-me por mim (...); de Diogneto me terá vindo o horror à bagatela (...); de Rústico, o ter concebido a ideia de que o meu carácter precisava de rectidão, disciplina e vigilância a todas as horas (...); de Apolónio aprendi a independência e a decidir-me por mim sem recurso aos dados (...); Sexto deu-me a lição de benevolência e o exemplo de uma família patriarcal (...); de Alexandre o Gramático aprendi o desamor de criticar por criticar (...); de Frontão me veio o ensinamento de quem tinha observado até onde chega a inveja, a duplicidade e a hipocrisia dos tiranos (...); de Alexandre o Platónico aprendi que se não deve dizer muita vez e sem necessidade (...) que estamos muito ocupados e furtarmo-nos assim aos deveres (...); e Catulo, que me ensinou ele? A não sacudir um amigo que se queixa de nós (...); de meu irmão Severo aprendi a amar a família, a amar a verdade, a amar o bem (...); em Máximo se espelhou o domínio de si, a ausência de fogosidade fosse no que fosse (...); em meu pai se revia a mansidão mas também a firmeza inabalável nas decisões estudadas com peso e detenção (...); devo aos deuses ter tido bons avós, excelentes pais, uma boa irmã, bons mestres, bons familiares, parentes e amigos quase todos bons (...)". Este pequeno grande livro está dividido em doze livros mais pequenos, mas que esta edição apresenta na íntegra, totalizando um modesto número de 152 páginas para tão grande obra.
Marco Aurélio, antes de um imperador, foi um homem modesto que viu o mundo e as suas vicissitudes com olhos de águia, pois viram mais longe que os olhos dos seus conterrâneos, devendo por isso ter sido dotado de uma sensibilidade especial... pena que os seus valores não tenham passado para a geração dos seus filhos, sobretudo para Cómodo, o futuro imperador e considerado um dos piores da História; assim, com Marco Aurélio encerrou-se uma linha na história de Roma de estabilidade e prosperidade, conhecida como o tempo d"os cinco bons imperadores".

Sem comentários: