segunda-feira, 13 de junho de 2011

O BANQUETE, por Platão

Antes de mais, peço desculpa pela imagem; é sabido que coloco sempre a ilustrar a capa do livro que li para ser fiel aos leitores, até porque cada edição/versão tem as suas discrepâncias. Desta vez tal não me foi possível, ou melhor, mais ou menos: a editora é a mesma do livro representado na imagem, mas a versão é actualizada. Fica aqui, então, a ficha: é das edições Europa-América, colecção Grandes Obras e está em formato livro de bolso. Possui o texto integral. Devo também dizer que este diálogo apresentado por Platão espantou-me num aspecto: sem nunca perder a seriedade, mostrou uma faceta muito mais humorística e leve do grande pensador, havendo momentos que nos fazem esboçar o leve sorriso ou mesmo uma risada leve. Isto porque a acção passa-se num ambiente talvez um pouco boémio, como sendo um jantar com todas as suas diversões.
O poeta Agatão ofereceu um banquete: a ele acudiram Alcibíades, o médico Erixímaco, o autor de comédias Aristófanes (sem dúvida o mais espirituoso do banquete), Fedro (jovem amigo de Sócrates e seu discípulo) e, como não podia deixar de ser, o filósofo Sócrates que, como bem Apolodoro (o narrador do evento) soube referir, para espanto de todos, se apresentou de sandálias, uma vez que um dos seus traços característicos era o de andar sempre descalço.Como seria de prever, com tal elenco o objectivo do banquete não seria apenas o de uma comezaina bem temperada e farta: Agatão pretendia iniciar um debate que tivesse como objecto o amor. Assim, um a um, cada um dos convidados (incluindo o anfitrião) dá a sua explicação e a sua imagem pessoal do amor. No fim, ficamos com um amor analisado por um poeta, um comediante, um médico e um filósofo, que mostram a sua interpretação do amor, obviamente sempre à luz da sua profissão (creio ser este o ponto mais interessante deste diálogo, as diferentes formas de ver um assunto por diferentes pessoas que vivem para diferentes coisas). No fim, a melhor defesa do amor é dada por Sócrates, segundo concordam todos os presentes e um dos convidados que não entrou no debate, Alcibíades, termina o diálogo com um magnífico elogio ao filósofo.
Este diálogo é, sem dúvida, de leitura obrigatória; falo por experiência própria, visto que alterou em mim algumas das ideias muitas vezes dogmáticas que eu tinha sobre o amor... e quem fala do amor fala de qualquer outro sentimento. Aliás, outro ponto interessante do diálogo é o facto de os convidados se tratarem entre si por "amantes"; isto porque o amor de que falam é algo mais que o amor entre homem e mulher, é um amor puro, o Eros na sua essência e enquanto deus primordial e que une os seres humanos nas mais diversas relações. Aqui está presente, portanto, o ideal platónico do amor. Nada mais tenho a acrescentar, termino esta apresentação com um excerto do discurso proferido por Aristófanes e que remonta à justificação dada pela cultura popular grega para a atracção entre homem e mulher e que julgo digna de atenção por ser bastante curiosa:
«A princípio havia três género entre os homens e não dois como hoje: o masculino, o feminino e um terceiro que era composto pelos outros dois. O seu nome subsistiu, mas a espécie desapareceu: então, o real andrógino reunia num único ser o princípio macho e o princípio fêmea. Cada homem tinha a forma de uma esfera, com as costas e as costelas em arco, quatro mãos, outras tantas pernas e duas faces ligadas a um pescoço arredondado; para essas duas faces opostas, um único crânio, mas quatro orelhas, as partes genitais duplicadas e tudo o resto que se pode imaginar sobre o mesmo modelo.O nosso homem podia passear por onde queria, em posição erecta; e, quando sentia a necessidade de correr, procedia como os nossos equilibristas que fazem a grande roda atirando as pernas para o ar e avançavam velozmente rolando. Se havia três géneros era porque o primeiro, o macho, era filho do Sol, o segundo, fêmea, filho da Terra e o terceiro, participante dos dois, da Lua, pois a Lua tem esta dupla participação.
«(...) Empreenderam subir até ao céu para atacar os divinos. Então, Zeus e os outros deuses deliberaram sobre o castigo a infligir-lhes. (...) Depois de uma penosa meditação, Zeus dá finalmente a sua opinião: 'Vou cortar cada um deles em dois, ficarão mais fracos e ao mesmo tempo, aumentando o seu número, ser-nos-ão mais úteis; dois membros bastar-lhes-ão para caminhar e, se reincidirem de novo na imprudência, cortá-los-ei de novo em dois, de modo que terão que andar a pé-coxinho.' (...) Uma vez realizada esta divisão da natureza primitiva eis que cada metade, desejando a outra, a procurava: e os pares, estendendo os braços, agarrando-se no desejo de se reunirem, morriam de fome e também de preguiça, pois não queriam fazer nada no estado de separação. (...) Compadecido, Zeus imagina então um meio: desloca os seus sexos e põe-nos para a frente, permitindo que se unam até ficarem saciados e poderem trabalhar e satisfazer as suas necessidades. (...) Cada um de nós é, portanto, a metade de uma peça, visto que nos cortaram em duas partes e cada um vai procurando a metade da sua peça.
«(...) Assim, quando os amantes descobriram precisamente a metade que é a sua, é admirável como são empolgados pela ternura, o sentimento de parentesco e o amor. Já não consentem em dividir-se um do outro e estes são os que ficam juntos até ao fim da vida e que nem conseguiriam definir o que esperam um do outro!» (in "O Banquete", texto com supressões)

1 comentário:

Anónimo disse...

É realmente uma obra que nos deve deixar a reflectir sobre a questão do amor. É interessante pensar o homem como "partes" que se procuram e tentam unir. Considero que, no entanto, nenhuma teoria deve ser levada demasiado a sério, embora seja sempre bom ter outra perspectiva das coisas, neste caso do amor. Obrigado, bom trabalho.