terça-feira, 28 de junho de 2011

PROMETEU AGRILHOADO, por Ésquilo

Boa noite.
Hoje apresento a segunda tragédia de Ésquilo que li: chama-se "Prometeu Agrilhoado" e o tema foi visto e revisto por tantos autores que, creio, tema igualado em tratamento só mesmo o mito de Orfeu! Não é muito difícil de encontrar uma peça dramática com este título ao longo dos séculos, contudo é da de Ésquilo que hoje se trata. 
Sucintamente, Prometeu foi um Titã que desde sempre se pôs do lado da Humanidade, frequentemente vítima de Zeus que não lhe conferia valor. Foi graças a Prometeu que os humanos descobriram a cura para as doenças, a esperança face à morte, aprenderam a ler e escrever e dominaram o fogo, que Prometeu roubou dos deuses para que possibilitasse ao Homem a criação de vários ofícios, tais como a cerâmica. Assim, pouco a pouco, os homens deixaram de depender totalmente nos deuses e começaram a solucionar os seus próprios problemas. Enfurecido, Zeus manda agrilhoar Prometeu a uma rocha no monte Cáucaso como castigo pela sua insolência; contudo, manda Hermes ao seu encontro para lhe dizer que seria perdoado caso se arrependesse. Prometeu, que nunca se deixou subjugar à tirania de Zeus e sempre fez o que lhe mandou a vontade e os seus valores pessoais, recusa e diz a Hermes que prefere uma eternidade agrilhoado a ser um lacaio como ele, conseguindo a agravante de uma águia todos os dias lhe comer o fígado, que voltaria a nascer durante a noite, para toda a eternidade (tal que não aconteceu, visto que mais tarde Prometeu seria liberto por Héracles).
A peça dramática de Ésquilo, como é óbvio, não trata todo o mito, mas sim o momento do agrilhoamento. Digo que é óbvio, pois apesar de terem sido duas leituras creio que estas já me fizeram chegar a uma conclusão: ao contrário de Sófocles e especialmente de Eurípides, Ésquilo tem a particularidade de não se preocupar em dramatizar uma história mas sim um momento, tanto que as suas peças acabam por ser mais um diálogo do que propriamente uma encenação de um episódio. O mito é abordado, sim, mas na boca de Prometeu, que o conta às Oceânides, filhas do titã Oceano, as únicas que se apiedaram da sua sorte, que respondem com graves lamentos. A violência do cenário é expressa pelo vocabulário usado pelas personagens. Já a meio da peça aparece Io, a ninfa transformada em vaca pelos ciúmes de Hera, que também se apieda de Prometeu; em compensação, Prometeu conta a Io aquilo que os deuses têm reservado para ela para maior castigo que a sua transformação. No fim desta peça o leitor sai com a imagem de um grupo de deuses cruéis que, apesar dos seus inúmeros dotes e capacidades, nada fazem para defender os valores que lhes são atribuídos, o que torna esta peça reaccionária do ponto de vista religioso; mas não apenas este ponto de vista, se não também o político: a atitude de Prometeu é tipicamente libertadora apesar dos seus grilhões, preso a uma rocha, mas livre enquanto ser por não se subjugar à tirania e enaltecendo os valores da liberdade acima das penas do corpo. O simbolismo de Prometeu tornou-se tal ao longo dos séculos que chegou a ser adoptado pelo Cristianismo: assim, a Prometeu equiparou-se Jesus Cristo, um agrilhoado numa rocha, outro crucificado; a Prometeu uma águia esventrava-lhe o fígado e a Jesus Cristo um centurião romano abria o peito com uma lança; em ambos a sua missão era libertar a Humanidade e zelar pelo seu bem. Esta adaptação cristã do mito de Prometeu foi uma das razões da sua popularidade na época moderna até aos nossos dias, numa época em que a religião se encontrava intimamente ligada aos assuntos do Estado. Assim, mais que tudo, Prometeu simboliza o Homem que tem a coragem de se afirmar pelos seus valores e que fala pelos que não a têm, lutando pelas grandes causas.

Sem comentários: